Enquanto cidades como Cascavel, Toledo e Foz do Iguaçu, as maiores do Oeste do Paraná e que juntas concentram cerca de 800 mil moradores, enfrentam crescentes desafios envolvendo segurança pública e pessoas em situação de rua, cresce o debate sobre o papel do Estado diante de crimes praticados nesses contextos e as medidas que respeitem os direitos humanos.
Dois casos recentes marcaram esse cenário: o assassinato de Luís Lourenço em Cascavel no fim de março enquanto se dirigia para o trabalho, morto atingido diversas vezes por uma barra de concreto por um homem em situação de rua e o caso registrado em abril em Toledo em que dois homens, também em situação de rua, agridem violentamente uma pessoa que pagou um lanche aos dois. Segundo a Guarda Municipal, o intuito da dupla era roubar o dinheiro da vítima de agressão que precisou ser hospitalizada.
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Para o advogado e especialista em Direito Penal Márcio Berti, que também atua como procurador jurídico da Associação Nacional da Advocacia Criminal (Anacrim), o Estado deve equilibrar proteção social e segurança sem recorrer à estigmatização ou repressão seletiva.
Como o Estado e os entes públicos devem agir, segundo as leis
Segundo Berti, o dever do Estado é garantir tanto a dignidade da pessoa humana quanto a segurança da coletividade, conforme os preceitos constitucionais.
“A proteção social não é incompatível com a segurança pública — são, na verdade, obrigações complementares do Estado. O simples fato de alguém viver em situação de rua não o torna um criminoso em potencial”, afirma. A responsabilização penal, lembra o jurista, só se dá com base em provas individualizadas e concretas, e não em presunções ou estigmas sociais.
O especialista também falou dos casos trágicos como o assassinato de Luís Lourenço, em Cascavel, em que o autor, uma pessoa em situação de rua, foi morto em confronto com a Polícia Militar após o crime. Márcio Berti explica que, se o agressor estivesse vivo, sua responsabilização penal dependeria da análise de sua imputabilidade — ou seja, da capacidade de entender o caráter ilícito de seu ato.
“A dependência química grave, por exemplo, pode configurar uma forma de inimputabilidade conforme o artigo 26 do Código Penal, o que poderia levar à imposição de medida de segurança e não pena de prisão comum”.
Sobre o enfrentamento ao tráfico e ao uso de drogas em espaços públicos, Berti critica abordagens exclusivamente repressivas e defende medidas integradas. “A repressão isolada não resolve o problema e ainda contribui para a criminalização da pobreza. O município e os operadores da segurança pública devem priorizar políticas públicas de redução de danos, acolhimento institucional e tratamento em saúde mental”.
Para ele, ampliar a rede de serviços como centros de atenção psicossocial, abrigos e consultórios na rua é essencial para lidar com as causas estruturais da vulnerabilidade.
Abordagem e remoção forçada
No que diz respeito à atuação das forças de segurança, o advogado destaca que a abordagem e remoção forçada de pessoas em situação de rua só podem ocorrer em conformidade com a legalidade e respeito aos direitos fundamentais. “Retirar essas pessoas de vias públicas sem ordem judicial ou sem oferecer alternativas dignas de acolhimento configura violação de direitos e pode ser enquadrado como abuso de autoridade”, adverte. Ele lembra que o Supremo Tribunal Federal (STF) já se manifestou contra políticas públicas de cunho higienista e repressivo.
Para que municípios como Cascavel, Toledo e Foz do Iguaçu avancem no tratamento do tema, Márcio Berti propõe a adoção de medidas jurídicas e administrativas que estejam em sintonia com a Constituição Federal.
Ele defende a regulamentação de uma política local de atenção à população de rua, inspirada no Decreto Federal nº 7.053/2009, com ações voltadas à moradia, alimentação, saúde, qualificação e assistência jurídica. “Experiências internacionais como o programa ‘Housing First’ mostram que garantir moradia é o primeiro passo para lidar com outras vulnerabilidades. Criminalizar a pobreza é, além de ineficaz, inconstitucional.”
Com essa abordagem, o especialista sugere que o caminho para cidades mais seguras passa necessariamente pelo combate às desigualdades e não pela repressão simbólica contra os mais pobres.
com informações do Diário de Foz, parceiro do Busão Foz
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