Por João Zisman
A polêmica em torno dos bebês reborn, bonecas que imitam recém-nascidos com hiper-realismo, revela questionamentos mais profundos na sociedade. Não se trata apenas de adultos cuidando de bonecas; estamos diante de uma crescente desconexão com a realidade, onde a fantasia busca aceitação social e institucional.
Ver pessoas com essas bonecas nas ruas, comprando carrinhos ou até pedindo atendimento prioritário em serviços públicos é surpreendente. Contudo, o espanto se tornou algo comum. Quando um comportamento se repete nas redes sociais, o que antes parecia absurdo se transforma em uma nova normalidade.
O debate sobre a ilusão
Alguns defendem que a interação com essas bonecas é uma forma terapêutica de lidar com luto, solidão ou ausência. Embora o acolhimento tenha seu valor, existe uma diferença entre respeitar o simbólico e participar de uma encenação coletiva em que se aceita uma boneca como um bebê. O problema não está no apego ao objeto, mas na expectativa de que outros compartilhem essa ilusão.
Esse fenômeno aponta para um cansaço do mundo real, que exige, provoca dor e traz frustração. A fantasia, em contrapartida, oferece um refúgio. Um bebê de plástico não chora, não adoece e não cresce — por isso mesmo, pode parecer mais desejável que a vida real.
Repercussão no Congresso
A discussão sobre bebês reborn chegou ao Congresso, considerando até multas para quem tentar passar uma boneca por um verdadeiro bebê. Porém, a preocupação não é apenas o projeto de lei, mas a necessidade dele.
O absurdo não está somente na política, mas no que ela tenta regulamentar: delírios pessoais transformados em disputas sociais. Atualmente, vivemos uma anestesia social em que tudo se aceita, e qualquer tentativa de racionalidade é vista como intolerância. Os limites entre distúrbio e hábito se tornam cada vez mais tênues, temendo a desumanização de quem busca criticar.
Consequências para o futuro
Enquanto isso, questões importantes, como as necessidades de crianças reais e suas famílias, ficam em segundo plano. O lúdico, que deveria estar restrito ao espaço privado e simbólico, invade a esfera pública, clamando por aceitação e regulamentação.
Se algum dia nos perguntarem quando a sociedade começou a perder o contato com a realidade, a imagem de um adulto competindo por um lugar no ônibus com uma boneca pode representar bem esse momento. O mais preocupante não é quem acredita na ilusão, mas sim quem deixa de achar isso estranho.
* João Zisman é jornalista e secretário de Comunicação Social da Prefeitura de Foz do Iguaçu.
@fozdiario
Leave a Reply