O que faz a Holanda ser conhecida mundialmente como o “país das bicicletas”? A ser um país com mais bicicletas do que habitantes e ter uma cultura de uso cotidiano da bicicleta? País onde são feitas 5 bilhões de viagens de bicicleta por ano, com 17,6 bilhões de km percorridos, numa média de 1.000 km por pessoa.
A resposta foi apresentada na abertura do 2º Seminário Paranaense de Ciclomobilidade e Cicloturismo – Paraná Bici durante a masterclass proferido pelas especialistas da Embaixada do Ciclismo da Holanda (Dutch Cycling Embassy – DCE), Shelley Bodje e Elke Schimmel.
Elas falaram sobre as experiências holandesas de promoção da ciclomobilidade e cicloturismo, na noite de quarta-feira (27), no Auditório da Ordem dos Advogados do Brasil – Paraná (OAB-PR), e explicaram como são as jornadas cotidianas de ciclismo na Holanda, focando nos aspectos de saúde, meio ambiente e finanças.
Abordagem integrada
Segundo as especialistas holandesas a chave do sucesso holandês na ciclomobilidade está na abordagem integrada para a mobilidade urbana. Isso inclui redes de transporte projetadas para diferentes tipos de mobilidade.
“O que torna a cultura do ciclismo na Holanda única é a abordagem integrada. Na Holanda, o ciclismo é parte do dia a dia. Pedalamos como estamos vestidos, seja para trabalhar, estudar ou pequenas viagens. Nossa infraestrutura é planejada para tornar isso seguro e acessível, e campanhas educativas ajudam a reforçar essa cultura”, explicou Shelley Bodje.
“É sobre integrar o ciclismo ao cotidiano. Também nos preocupamos em garantir infraestrutura para viagens seguras, como estacionamentos adequados e ruas planejadas. Além disso, campanhas educativas e sociais complementam essa estrutura, promovendo uma cultura sustentável”, completou Elke Schimmel.
Mesa de abertura
A cerimônia de abertura do 2º Paraná Bici, que foi presidida pelo deputado estadual Goura (PDT), contou com a presença do cônsul honorário dos Países Baixos em Curitiba, Robert Ruijer; do promotor do CAOP de Proteção ao Meio Ambiente e de Habitação e Urbanismo, Daniel Pedro Lourenço; da coordenadora de Gestão e Sustentabilidade da Secretaria de Estado do Turismo (Setu), Anna Carolina Vargas; de Douglas Bienert, da Comissão de Direito de Trânsito, Transporte e Mobilidade Urbana da OAB/PR.
Também da professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFPR e dos programas de Pós-Graduação em Planejamento Urbano – PPU e de Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento – PPGMADE, Maria Carolina Mazivieiro; da vereadora eleita de Curitiba, Laís Leão, e da empresária Maria Júlia Fornea, fundadora e CEO do Instituto WeeFor.
Pedalar para o futuro
O deputado Goura agradeceu a parceria e o apoio de todos que ajudaram a realizar o 2º Paraná Bici, que foi promovido pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep), pela Escola de Gestão do Estado do Paraná, pelo Consulado Geral dos Países Baixos em São Paulo e pelo Consulado Honorário dos Países Baixos.
E contou com patrocínio do Ministério de Infraestrutura e Recursos Hídricos dos Países Baixos, ACTIVE (Alliance for Cycling and walking Towards International Vitality and Empowerment) e WeeFor Incorp e apoio da OAB-PR, Instituto Energia Humana, Secretaria da Administração e da Previdência do Paraná e Governo dos Países Baixos.
“Que com mais esse Paraná Bici a gente possa pedalar para frente. Pedalar para o futuro com a perspectiva de fazer da mobilidade ativa, da ciclomobilidade uma realidade na pauta de todos os municípios paranaenses. Para isso, a bicicleta tem que estar nas políticas públicas e no orçamento dos municípios e no do estado”, destacou Goura.
O representante da OAB/PR, Douglas Bienert, disse que é muito importante para a entidade receber um evento como o Paraná Bici porque faz com que o tema da ciclomobilidade seja incorporado aos assuntos que devem estar nas pautas dos advogados. “Não temos na área do Direito especialistas em mobilidade. Com esse Paraná Bici essa preocupação se torna um objetivo a ser superado.”
Para o cônsul honorário Robert Ruijer, a participação no Paraná Bici é resultado de uma longa parceria com o Mandato Goura. Segundo ele, falar sobre ciclomobilidade e sobre como a Holanda pode ser um exemplo para que se realize uma transformação no uso da bicicleta é o nosso maior objetivo.
“Nem sempre foi assim na Holanda e hoje temos novos desafios, mas podemos mostrar como fizemos para chegar aonde estamos. Na Holanda 80% das viagens de até 5 km são feitas de bicicleta”, disse. “Para chegar a isso foram muitos investimentos em infraestrutura cicloviária, campanhas de incentivo e uma visão integrada de transporte”, revelou o cônsul.
O promotor do CAOP, Daniel Pedro Lourenço, se questionou sobre “como vamos fazer para mudar a cultura do carro pela cultura da bicicleta?” num país como o Brasil e numa cidade como Curitiba “onde a pessoa dirige 20 minutos para ir à academia fazer exercícios.”
“Nós precisamos pensar e entender como a Holanda chegou lá e temos que adaptar e aplicar aqui para que tenhamos a bicicleta como alternativa viável de transporte. A partir da minha participação neste Paraná Bici, vamos levar o tema da mobilidade urbana, da ciclomobilidade para dentro do Ministério Público do Paraná e trabalhar pela promoção da bicicleta”, garantiu Lourenço.
A coordenadora de Gestão e Sustentabilidade da Secretaria de Estado do Turismo (Setu), Anna Carolina Vargas, destacou a importância do Paraná Bici e elogiou a iniciativa. “Nós temos linhas de crédito em alguns programas que podem incluir o cicloturismo, mas os municípios não têm capacidade técnica para fazer os projetos. Com essa iniciativa, damos um passo para a superação dessa limitação”, elogiou Ana Vargas.
A professora Maria Carolina da UFPR disse que o Paraná Bici é um evento fundamental e extremamente relevante diante da emergência climática que vivemos atualmente. “Se queremos cidades socialmente justas e ambientalmente sustentáveis precisamos de políticas públicas efetivas para a mobilidade ativa. A ciclomobilidade deve ser prioridade no planejamento das cidades e nas transformações necessárias para rever a atual situação das cidades”, disse.
A vereadora eleita Laís Leão afirmou que a ciclomobilidade tem que fazer parte da cultura e do cotidiano da cidade como prioridade nas políticas de mobilidade ativa. “Qual o caminho que queremos seguir para a nossa cidade? A atual ou a que incentiva e promove a mobilidade ativa, a ciclomobilidade todos os dias?”, questionou Laís, que é arquiteta urbanista.
Maria Júlia Fornea, fundadora e CEO do Instituto WeeFor, apresentou os projetos desenvolvidos pelo instituto em parcerias com prefeituras da Região Metropolitana de Curitiba (RMC). “Nossa atuação é uma contrapartida da WeeFor com a responsabilidade social e uma forma de contribuir para a melhoria da sociedade”, contou. Ela apresentou o Projeto Movimenta, que tem como objetivo estimular o uso da bicicleta no perímetro urbano.
“O projeto consiste na doação de bicicletários nos terminais da Região Metropolitana de Curitiba, permitindo um espaço seguro para os ciclistas e assim incentivar o uso deste modal e atrair novos usuários”, explicou Maria Júlia.
Transformação cultural pela bicicleta
“Sabemos que a transição cultural e estrutural para um modelo sustentável é um processo de longo prazo. No entanto, é possível adaptar essas práticas à realidade local”, disse Elke. Segundo ela, a Embaixada do Ciclismo da Holanda está comprometida em inspirar, planejar, implementar e aprender junto com parceiros globais.
Segundo Shelley, o ciclismo na Holanda não é visto como um esporte, mas como uma prática diária. “As pessoas pedalam como estão vestidas, seja para ir ao trabalho, à escola ou para pequenas viagens. A bicicleta está integrada ao cotidiano da maioria das pessoas”, explicou.
Para elas, é importante lembrar que essa transição cultural e estrutural leva tempo e que na Holanda a mudança foi um processo contínuo, e que é preciso persistir com uma visão de longo prazo. “Por isso, compartilhamos nossa experiência com outros países, ajudando a adaptar soluções às suas realidades locais”, disse Shelley.
A bicicleta na Holanda
“Nos anos 1970, enfrentávamos uma grave crise de segurança no trânsito, com cerca de 3.000 mortes anuais, incluindo 450 crianças. Movimentos como “Parem de matar crianças” pressionaram o governo a priorizar pedestres e ciclistas, resultando em mudanças significativas na política de mobilidade”, contou Elke.
“Junto com isso foram feitos investimentos em infraestrutura cicloviária, em campanhas de conscientização e de promoção ao uso de bicicleta e o trabalho em rede entre poder público, iniciativa privada e outras organizações da sociedade”, destacou ela.
Para Elke é preciso destacar a importância da integração entre ciclismo e transporte público. “Metade das pessoas que usam trens na Holanda chegam às estações de bicicleta. Isso mostra o potencial desse modelo para cidades ao redor do mundo.”
As especialistas destacaram os benefícios de se ter como prioridade políticas públicas e privadas em favor da ciclomobilidade. São eles: ambientais, com redução da poluição e do congestionamento; econômicos, com incentivo ao comércio local e ao turismo sustentável e sociais, com a inclusão de grupos com mobilidade reduzida, como idosos e pessoas com deficiências.
“Nossas ruas são projetadas para diferentes níveis de mobilidade. Temos ruas locais com tráfego calmo, onde carros, bicicletas e pedestres compartilham o espaço”, disse Elke. “Reduzimos os impactos negativos dos carros, como poluição e congestionamento, e criamos espaços públicos mais agradáveis e seguros.”
“O ciclismo contribui para cidades mais habitáveis, fortalece o comércio local e promove inclusão social. A bicicleta permite que pessoas com mobilidade reduzida, idosos e até mesmo crianças possam participar ativamente da sociedade”, concluiu Shelley.
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