Passados mais de dois anos do início da pandemia, os sistemas de saúde do mundo todo enfrentam um novo desafio. Como lidar com a queda da qualidade de vida e de produtividade dos sobreviventes das infecções graves da covid-19? São, em média, oito sintomas que prevalecem mesmo recebendo alta. A gravidade dessas sequelas está diretamente relacionada à idade dos pacientes e o quanto foi grave a fase aguda da doença. Essas são algumas das observações trazidas por um estudo recente sobre covid longa realizado no ambulatório montado pelo Hospital Universitário Cajuru, em Curitiba (PR), em parceria com a PUCPR.
Mais uma vez, os idosos se mostram o elo mais vulnerável nesse cenário. Com até 340 vezes mais chances de morrer devido à covid-19, o impacto de um novo vírus em populações mais velhas pode ir além de um risco mais alto de agravamento de sintomas, hospitalização ou mortalidade. Na pandemia, o sofrimento dos idosos começou com a descoberta da doença, piorou com a intensificação das medidas de distanciamento social e permaneceu mesmo quando o vírus começou a recuar.
De acordo com o estudo, quanto maior a idade, menor a saturação de oxigênio mesmo em repouso. Logo que se recuperaram de um quadro grave da covid-19, 86% dos pacientes idosos revelam ter falta de ar e mais de 50% têm dores e cansaço nos membros inferiores. Os sintomas semelhantes aos vivenciados com o avançar da idade – mas acelerados pela doença – podem levar a uma baixa procura por apoio e acompanhamento médico. Da pesquisa do hospital que recebe pacientes encaminhados por outros hospitais e instituições públicas, participaram 112 pessoas com algum tipo de problema decorrente da doença, mesmo após a recuperação. Nesse grupo, 68,8% têm menos de 60 anos e 31,3% têm 60 anos ou mais. Os resultados do estudo são baseados na primeira consulta dos pacientes, realizada, em média, um mês depois da alta hospitalar.
Além das sequelas respiratórias
Quando os sintomas persistem três meses depois da infecção inicial, a pessoa está com covid longa ou síndrome pós-covid. Podem ser problemas diretamente relacionados aos sistemas respiratório e cardiovascular ou ainda queixas mais abrangentes, como dores no corpo, perda de cabelo, problemas auditivos, insônia, alteração dermatológica e perda de memória. Todos estão interligados ao coronavírus e podem começar a surgir meses depois da cura da doença. Mais de dois anos do início da pandemia, a medicina ainda estuda os efeitos de curto e longo prazo da covid-19 no organismo.
“Foi no segundo semestre de 2020, a partir do acompanhamento de pacientes internados e graves por covid-19, que entendemos: aqueles que sobreviveriam iam precisar de um cuidado integral depois da alta”. O relato da coordenadora da pesquisa, Cristina Baena, explica a motivação para dar início ao ambulatório. “Logo vimos que, mesmo curadas da doença, essas pessoas apresentavam sintomas que iam muito além de sequelas respiratórias. O prejuízo neurológico, por exemplo, é recorrente, e se traduz em casos de depressão e perda de memória”, explica.
Enquanto a maioria dos indivíduos se recupera por completo, infelizmente, um grupo vai apresentar incômodos ou problemas persistentes, capazes de afetar a produtividade e a qualidade de vida. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), de 10% a 20% das pessoas que tiveram covid-19 terão sintomas que não vão desaparecer por semanas ou até meses. Para compreender como a doença afeta pacientes, o ambulatório pós-covid de Curitiba conta com uma equipe multiprofissional de pneumologista, fisioterapeuta respiratório e funcional, psicólogo, neuropsicólogo e cardiologista.
Raio-x da pesquisa
Quanto mais manifestações da doença durante a infecção, mais sintomas seguem presentes na sequência do término dela. De acordo com os dados obtidos e analisados pelo ambulatório com atendimento via Sistema Único de Saúde (SUS), 82,1% apresentam perda de peso, 76,8% falta de ar, 49,1% fadiga, 49,1% fadiga de membros inferiores, 44,6% dores em membros inferiores, 41,1% insônia, 41,1% hipertensão pela primeira medida ambulatorial e 39,3% tosse. Entre os que sentem falta de ar, um em cada cinco pacientes relata o incômodo após andar menos de 100 metros e 12% dizem não sair mais de casa por esse motivo.
Ao relacionar o número de sintomas na fase aguda e na recuperação da covid-19, pacientes que foram intubados, por exemplo, apresentam um número significativamente maior de sintomas na fase pós-covid. Ainda, no que se refere às comorbidades, 48,2% tiveram internamento prévio à covid-19 devido a outros problemas de saúde, 39,3% têm hipertensão arterial e 30,4% dos pacientes atendidos pelo ambulatório apresentam obesidade grau um. Entre o grupo de pessoas que tiveram infecção aguda pela covid-19, 72,3% passaram por internamento na UTI, 73,2% precisaram de oxigenação suplementar e 21,4% foram intubados.
Impacto também para os mais jovens e na rede privada
Assim como foi com a covid-19, o impacto da covid longa é sentido em todas as faixas etárias e rede de saúde como um todo. O advogado Guilherme Kovalski, de 37 anos, ficou 200 dias internado no Hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba (PR), devido a uma trombose pulmonar, uma das complicações mais comuns e graves da infecção. Foram 101 dias só na unidade de terapia intensiva. Quando recebeu alta hospitalar precisou continuar com trabalho intenso de fisioterapia e fonoaudiologia. Hoje, mais de um ano depois, ainda continua com dificuldade para se locomover. “A covid é uma doença muito traiçoeira. Ainda preciso do apoio de uma bengala para andar, mas consegui recuperar bem a parte respiratória”, conta.
Já o professor de química Robert Gessner, de 32 anos, precisou de menos tempo de internação hospitalar, mas foi submetido a ECMO (oxigenação por membrana extracorpórea), tratamento que funciona como pulmão artificial e considerado pelos médicos como “último suspiro”. De sequela, ficou com uma paralisia no pé esquerdo, que felizmente não o impede de andar e trabalhar, mas o fez repensar sua rotina. “Tenho síndrome de Guillan Barré, que limita meus movimentos, mas consigo perceber uma pequena melhora a cada dia”, relata.
“Nesse contexto em que grande parte da população está vacinada, acontecem fenômenos interessantes. A covid-19 não acabou, continuamos com alta de casos, porém, a enorme proporção de casos é leve. Mas ainda há pessoas que desenvolvem um quadro mais grave, que são aquelas que em geral não completaram a sua vacinação, com a terceira dose da vacina”, analisa a pesquisadora Cristina Baena. “Outro ponto importante é que as taxas de incidência de infecção por covid-19 permanecem bastante semelhantes entre todas as faixas etárias adultas em todo o mundo”, complementa.
O problema exige protocolos terapêuticos específicos e demanda uma reorganização do sistema de saúde. O fato é que ainda não há como prever, com um grau de confiança razoável, se alguém irá ou não desenvolver a síndrome pós-covid. Inclusive, porque ela pode ser sorrateira, e só se manifestar semanas após o fim da infecção inicial. São comuns os relatos de vítimas que se consideravam curadas da covid longa, mas voltaram a ter problemas depois que tentaram se exercitar, por exemplo.
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