A vacina Spintec, que está sendo desenvolvida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para combate à covid-19, já tem assegurados recursos para os primeiros experimentos clínicos com seres humanos. A prefeitura de Belo Horizonte repassará, ao todo, R$ 30 milhões para as fases 1 e 2 dos testes. A primeira parcela, estimada em R$ 6 milhões, deve ser liberada já no mês de maio, e as demais, até dezembro.
Segundo nota divulgada nesta quinta-feira (29) pela UFMG, um termo de cooperação deverá ser assinado com o município nos próximos dias. A realização dos testes já tinha R$ 3 milhões garantidos por meio de emendas parlamentares da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. “O suporte financeiro oferecido pela prefeitura da capital mineira vai assegurar a continuidade das pesquisas”, diz o texto. De acordo com a UFMG, o acordo traz alívio, pois o orçamento da instituição não permitiria levar a pesquisa adiante e esta poderia ser interrompida.
Os cientistas envolvidos estabeleceram um projeto em busca de uma vacina que seja efetiva contra novas variantes. “A plataforma tecnológica usada consiste na combinação de diferentes proteínas para formar uma única, artificial. Esse composto, chamado de ‘quimera’, é injetado no organismo em duas doses e induz à resposta imune. Por não usar exclusivamente a proteína S, na qual se dá a maioria das mutações, as chances de sucesso desse imunizante no combate às novas variantes são bastante elevadas”, destaca a nota da UFMG.
Testes pré-clinicos
Nos testes pré-clínicos, com animais, os resultados têm se mostrado promissores. Quando inoculada em camundongos, foi observada uma resposta adequada: a formulação induziu 100% de proteção. Agora estão sendo realizados ensaios de tolerabilidade e imunogenicidade em primatas não humanos. Esses experimentos buscam detectar possíveis efeitos colaterais e confirmar a geração de anticorpos.
O início das fases 1 e 2, quando são realizados os primeiros testes com grupos reduzidos de adultos saudáveis, depende de autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Antes de conceder o aval, a Anvisa avalia os resultados da etapa pré-clínica.
Os recursos disponibilizados pela prefeitura serão usados para concluir os experimentos com os animais, comprar reagentes, produzir lotes de teste para análise da Anvisa, preparar documentação e realizar os primeiros testes com adultos saudáveis. Nas fases 1 e 2, são analisadas, entre outras questões, a segurança da vacina e sua capacidade de gerar resposta imune em seres humanos.
Caso os resultados sejam positivos, pode-se requerer à Anvisa o início da Fase 3, na qual a eficácia será avaliada com milhares de voluntários. Se todas as etapas correrem conforme a expectativa dos cientistas, a vacina pode estar disponível para uso em massa em meados de 2022. A evolução das pesquisas, no entanto, demandará novos aportes financeiros para a Fase 3, a mais complexa. Segundo a UFMG, deputados estaduais já manifestaram compromisso em ajudar a garantir a verba necessária.
Existe a possibilidade de se direcionar para os experimentos uma fatia do montante previsto no acordo firmado entre o governo mineiro e a mineradora Vale para reparação dos danos da tragédia de Brumadinho, ocorrida em janeiro de 2019 com o rompimento de uma barragem de rejeitos no município. A empresa comprometeu-se a destinar R$ 37,6 bilhões para diversas medidas, algumas das quais de caráter compensatório e voltadas para melhoria da saúde, saneamento e mobilidade no estado. Os deputados estaduais mineiros têm que aprovar a aplicação de parte dos recursos do acordo.
Produção brasileira
A Spintec está sendo desenvolvida no CT-Vacinas, um centro de biotecnologia instalado no Parque Tecnológico de Belo Horizonte (BH-Tec). O espaço é resultado de uma parceria entre a UFMG e o Instituto René Rachou, unidade regional da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição científica vinculada ao Ministério da Saúde.
A Fiocruz já produz, em sua sede no Rio de Janeiro, a vacina Covishield, que está em uso no Brasil e foi desenvolvida pela Universidade de Oxford e pela farmacêutica inglesa Astrazeneca, instituições com as quais foi firmado um acordo de transferência de tecnologia. Por enquanto, o ingrediente farmacêutico ativo (IFA), um dos componentes do imunizante, ainda está sendo importado, mas a Fiocruz já se prepara para produzi-lo no país, tornando a fabricação da Covishield 100% nacionalizada.
Outra vacina que está sendo aplicada no país, a CoronaVac, produzida pelo Instituto Butantan, também tem o envolvimento de pesquisadores brasileiros. O centro de pesquisa biomédica vinculado à Secretaria de Saúde de São Paulo firmou um acordo com a Sinovac, laborátório chinês que desenvolveu o imunizante. O IFA dessa vacina também precisa ser importado.
Há outros imunizantes contra covid-19 em desenvolvimento no Brasil com a participação de instituições de ensino superior, tais como as universidades de São Paulo (USP) e a Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Além de autorizar o avanço de cada fase dos estudos clínicos, cabe à Anvisa dar a palavra final sobre a aplicação em massa do imunizante na população – a agência pode conceder a autorização para uso emergencial ou o registro definitivo.
Até o momento, quatro imunizantes estão liberados para o combate à pandemia no Brasil, e dois são totalmente produzidos no exterior. Uma das vacinas foi desenvolvida pela farmacêutica norte-americana Pfizer em parceria com a empresa alemã BioNtech, e o primeiro lote destinado ao Brasil deve desembaracar na noite desta quinta-feira (29) no Aeroporto de Viracopos, em Campinas, São Paulo. A outra é da Janssen, braço farmacêutico da multinacional Johnson & Johnson, e deve começar a ser entregue ao país apenas em agosto.
A microbiologista Ana Paula Fernandes, uma das envolvidas no desenvolvimento da Spintec, considera importante o investimento em produtos brasileiros, mesmo que já existam no mundo diversas opções de vacinas para o combate à covid-19. “Não sabemos a duração da imunidade, é preciso atestar a segurança de algumas vacinas e talvez precisemos obter produtos específicos para faixas etárias distintas”, disse Ana Paula, que destacou ainda as dificuldades para importar e produzir insumos no Brasil. “Além disso, estamos descobrindo variantes que devem exigir outros tipos de vacinas.”
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